quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

bomba relógio

Três... Dois... Um...
Vês os números no visor da bomba e já sabes que não há volta a dar. É demasiado tarde para perguntar se o fio a cortar é o vermelho ou o azul, vai, simplesmente, rebentar.
Caboum. O estouro é inaudível mas destrutivo.
Em todas as direcções voam cacos, pequenos pedaços que antes foram um todo. A tua respiração é ofegante e precisas de fechar os olhos para te concentrar. Tens de, a todo o custo, alcançar a calma.
Quando consegues abrir os olhos todos os bocadinhos estão suspensos à tua volta, numa redoma sem gravidade. A fundo, analisa-los todos. Pegas num que colocas à tua frente. Depois, no seguinte que lhe dará continuidade. Ao fim de três peças juntas, começas a ver uma forma que te lembra o cenário que existia antes da bomba rebentar... mas ela rebentou.
Começas a reescrever a história, pedacinho por pedacinho, e sabes-lhe a beleza de novo. Sorris-lhe, ao mesmo tempo em que a tua respiração torna a ficar natural sem te dares conta.
Quando o puzzle está montado, é preciso limar as arestas e reforçar aquilo que o une, sem esborratar. Aí concentras-te noutro aspecto: o que foi que activou esta bomba relógio? A mal ou bem, assumes para ti as verdades mais cruéis. Aquilo que pode ser duro, mas que é, mais que qualquer outra coisa, honesto. É o que te faz evoluir.
No fim, dize-lo. Fazes o que for preciso para garantir que a bomba parou e as pecinhas voltaram a ganhar sentido. Nesse momento, sem te dares conta, começa um novo ciclo.
Cem... Noventa e nove... Noventa e oito...
A contagem ainda está longe e não consegues dar por ela. Talvez seja hora de apurares o ouvido a tempo, para conseguires saber que fio escolher: azul ou vermelho? Foca-te, tenta, acredita. Quando souberes que fio é, estás mais seguro.
Não queiras correr o risco de voltar a partir aquilo que tanto gozo te deu juntar ao longo dos dias.

domingo, 6 de dezembro de 2015

sushi

Enquanto conduzia o carro de volta a casa, sorriu. Recordou-se da estreia mas percebeu que, afinal, não se lembrava de todos os pormenores. Somente do importante. 

Não sabia onde se tinham encontrado, qual a primeira conversa. Mas sabia que confiara sem receios. Sabia que aquele à-vontade demasiado preenchido pelo nervosismo lhe dera a capacidade de arriscar todos os minutos na procura de algo com substância, se assim tivesse de ser.
Sabia de cor aquele olhar desconcertante, que parecia saber todos os seus segredos sem sequer os dizer. Aquela força lá contida que julgava ou que apenas, sem porquês, procurava descobrir. Sabia que sentira o seu corpo nu e que o seu pensamento havia estremecido.
Sabia que lhe foi dada a capacidade de ser como é e não ter receio por isso. De estar ali, de corpo e alma, bebendo cada gota do café na mesma dimensão dos sentires que procuravam um pretexto p'ra se libertar.
Lembrou pormenores que não se tinha lembrado nas outras inúmeras ocasiões em que aquele estremecer genuíno lhe voltara à memória.

Seria um sonho? Uma ilusão do quotidiano que lhe dá sentires demasiado reais p'ra serem verdade? Pensa que tem de ser um sonho, que nunca teria esta sorte.

Até que se lembra, uma vez mais, da mão quente que lhe agarrou o pescoço e dos olhos penetrantes de honestidade que vira mesmo antes disso.

Ainda agora o arrepio lhe percorreu a espinha... Isso é a recordação mais vivida de que o sonho não é nada mais nem menos de que a sua vida movida de um amor incondicional.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

F.

Não sei como nos conhecemos. Nem como nos fomos. Sei que foste daqueles seres para os quais a minha curiosidade olha e automaticamente pensa que "vou apanhar-te".
Apanhei-te, mais do que o podias imaginar. De forma genuína e pura, porque sim. Porque podíamos... e pudemos. Recordo-me de poucas mas tão boas coisas: da minha incredulidade que me fez chamar-te padrinho, do teu alcoólico discurso que te fez chamar-me madrinha. Assim, sem explicação, nem 'como' e muito menos 'porquês'.
Lembro-me tanto dos sentires... da alegria intensa da certeza da tua escolha, da cumplicidade de uma dança desajeitada, da música que nos faz correr um pró outro, da proximidade demasiado evidente, do olhar que nada diz e tudo sabe.
Lembro-me, até, em demasia, do medo. Que ainda hoje me percorre as veias sempre que te olho e penso que o meu pequeno está a crescer, a ser autónomo, feliz, coerente, sincero, honesto e que, com o seu esforço e perseverança, está a conquistar o seu lugar.
Nunca poderás tu sentir um milésimo do orgulho que te tenho, da vontade que te conheço, da compreensão que te ganho e do horrível medo de sem ti ficar.
Esta aqui, que se assina, é somente aquela que derrama lágrimas escondidas de cada vez que dizes julgar ser loucura e ousadia as vezes em que te pedi que cantasses com tudo de ti. Como só tu sabes. Como só tu me chegas lá ao teu cantinho, no coração.
Parabéns, meu pequeno.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

domingo, 1 de novembro de 2015

escuro

De manhã.

As persianas fechadas, o escuro sendo imperador. A cama quente, o corpo dorido de se revolver à horas de mais. Não há posição.

A cabeça tapada, os olhos doridos. Os pensamentos ágeis e sofridos, incessantes na necessidade de se extrapolarem. A cara com o sal, vincado.

A barriga sem fome, a mente sem vontade. Não há saída, pelo menos não agora. O medo treme no corpo que fica frio, dentro da estufa. Abraça-se a si mesmo, tentando convencer-se de que não há razão para a sua existência. Mas há.

A incerteza de que um olhar possa não mais existir daquela forma é força suficiente para que as horas passem e as persianas se mantenham fechadas. Tal como o corpo morto, dentro dos lençóis, procurando um propósito que seja para continuar a querer viver.

domingo, 25 de outubro de 2015

Não

Não. Apaga a luz e vem deitar-te. Aquece-me as mãos e dá-me o teu braço como almofada. Prende-me uma perna com os teus pés e diz-me "boa noite, dorme bem".
Não. Deixa-me estar apenas a ouvir o teu respirar, a focar-me em não me mexer para não te acordar. Vou tapar-te durante todo o tempo para te saber com o melhor sono possível.
Não. Eu quero saber que tenho a cama mais aquecida pelo amor que nos mantém. Eu quero acordar no meio da noite e sorrir quando o meu consciente me lembrar de onde estou. Com quem estou.
Não. Hoje quero que me cantes uma canção de embalar e que me mexas no cabelo até eu adormecer, hipnotizada pelo teu olhar fundo que tão bem me lê.
Não. Hoje não aceito. Hoje não quero e hoje não suporto. Hoje não. Não. Não me deixes ir embora. Não me deixes sair debaixo deste tecto e não me faças entrar por entre lençóis sozinha.
Não. Hoje não posso ficar sem ti enquanto a lua, lá alta, testemunha que aquilo que nos somos e que é verdadeiro como o construímos. Não.
Hoje não fico sem ti.
Não sei como isso é.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

fuga e mistério

Quanta é a saudade que te tenho e não te sei explicar.
Quantos são os pensamentos que te faço e não te sei explicar.
Quantos são os sorrisos que te imagino e não te sei explicar.
Quantos são os medos de que te apanhes numa solidão profunda e não te sei explicar.
Quanta é a vontade de correr para ti e não te sei explicar.
És a fuga e o mistério, a verdade incerta de tão convicta que permanece sempre, a cada dia, naquilo que sou.
Lembro-me de quando isto ainda era normal, se é que alguma vez o foi, em que tanto podia aprender de ti como ensinar-te. Em que as horas não passavam e às tantas o relógio marcava 4h da manhã e o assunto não se esgotava. Em que o abraço forte e gigante a cada despedida tinha cada vez mais calor, cheio de sentires intensos e tão verdadeiros.
Quanta é a falta que fazes, sem que o saibas.
Quanta é a grandeza do que és, sem que o saibas.
Quão importante é ver-te crescer assim, sem que o saibas.
Quão verdadeiro é imaginar o nosso futuro, sem que o saibas.
Quão único é aquilo que nos somos, sem que o saibas.
Nem eu o sei.
Ou então sabemo-lo ambas, demasiado.
Já te disse que tudo contigo tem outro sabor?

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

o dia

Hoje é o dia. O nosso dia. Aquele em que nos fizemos. Aquele em que nos celebramos. Oiço de novo a tua pergunta inquieta, mas convicta. Arriscando tudo, desde logo. Com a certeza de que as horas seriam dias, os dias seriam semanas, as semanas seriam meses e os meses são anos... Mas ainda tendo a benesse de toda uma vida p'la frente p'ra nos partilharmos, juntos.
Lembro-me da primeira vez que te derramei uma lágrima. Sem aviso, com um nó tão grande na garganta. A essa muitas outras se seguiram. Numa noite infinita, cujos pensamentos se amontaram numa única conclusão. Confesso que solucei de dor... mas tive a certeza que te amava.
Sabes... Hoje é o nosso dia. Tal como foi ontem. Tal como foram todos até hoje. Como será amanhã. Faremos de todos os dias nossos. Seremos em todos. Já não dá para ser doutra maneira.
Todos os dias são nossos. Até aquele em que verás uma flor no meio da rua e darás por ti a colhê-la... p'ra ma oferecer e surpreender com o sorriso que só tu tens.
Sei que o meu olhar te confirmará que acertaste em cheio. E que o meu coração te dirá que, enquanto eu respirar, os meus dias só são dias se forem nossos. Hoje é o dia. O nosso dia.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

sono

Já passa da uma da madrugada quando entra em casa. Larga as malas no chão. Apanha o cabelo, põe o tablet a carregar e veste o pijama. São os automatismos accionados pelo cansaço que apenas pede o descanso merecido após um trabalho intenso.
O sono começa a pesar para que os olhos se fechem, mas ainda assim decide desabafar consigo mesma. Entendam-na: desabafar não tem de ser necessariamente sobre coisas negativas. Pode ser apenas o reconhecer das dádivas que a vida coloca no caminho de cada um, p'lo meio das intempéries que acontecem no mundo.
São as pessoas. Os sentimentos, os sentires. São os abraços traduzidos na manifestação física de um acto irrevogável e maior, presente no coração. São esgares da boca, tão únicos e naturais, aqueles, que permanecem na memória. São aquelas coisas que não se vêem e que pairam no ar, entre dois seres que, sabe-se lá porquê, criam uma conexão que não os deixa serem de outra forma.
Ela lembra-se, brilham-lhe os olhos - sabe-lo. Deita-se um pouco mais e encontra o espaço certo na almofada. O corpo está moído, mas a mente está enérgica. As vibrações saltitantes que tem no peito a cada momento perguntam-se se serão reais.
É a hora efectiva de adormecer. Ela vê-lhe o rosto, as mãos. Sente-lhe o aconchego dos braços e imagina-se de novo lá, naquele ninho onde dormir é tão especial que lhe apetece ficar acordada para o sentir ainda mais. Ela vê o que lhe sente.
Dorme, inconscientemente. Com a mão por baixo da cara, mania que ganhou não sabe como. O seu último pensamento é o mesmo, todos os dias: será a plenitude deste amor mais do que o sonho onde entrará nos próximos minutos?

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Culto

Perguntou-se porquê. Não conseguiu encontrar resposta. Às vezes a vida traz dádivas que não parecem reais e é difícil aceitá-las. Tentou culpar a sorte, mas não foi capaz de banalizar a questão dessa maneira... E mesmo não chegando a uma conclusão, não conseguiu deixar de ambicionar.
Pensou no passado. Tentou rever todos os dias, minutos, segundos... Procurou uma pista, um motivo, uma razão para a irracionalidade daquilo que estava a viver ganhar sentido. Esse vazio tão cheio de nada manteve-se... E agora fica o impasse, a pairar. Esse lugar tão calmo que é apenas viver um dia de cada vez.
Ela não sabe. Não sabe como aceitar a benção que lhe foi colocada ali, diante de si, com um olhar tão profundo fixado no seu, que por mais que o tente ler nunca descobre o que lhe esperar.
Ela sente-se nua, despida de confiança. Imagina a sua expressão, cheia de medo e embaraço, voltando a ser uma criança desprotegida que procura apenas um par de braços que lhe diga que está tudo bem, que encontrou um porto seguro. E por detrás de um olhar envergonhado, o seu pensamento deseja ardentemente que lhe afague o cabelo, num toque que saberia meigo e cheio de ternura. Nunca lho confessará.
Pergunta-se porquê. Tenta culpar a sorte. Procura pistas que o expliquem... Desiste. Deixa de querer saber e vive. Vive. Sente muito. Promete-se a si mesma: de cada vez que o vir dormir, absorver-lhe-á todos os traços, sentir-lhe-á a suavidade da pele e sorrir-lhe-á. Saberá que aquele momento é real. Em silêncio falar-lhe-á para as pestanas, tão suas, agradecendo-lhe todas as perguntas sem resposta que encontra a cada dia.
Afinal de contas... não é isto o amor?
Ela acredita que sim.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

pedestal

Lá no alto, no teu pedestal, te mantens. Sorris e acenas, nada te destrói. Quem me dera a mim poder viver com essa leveza que carregas.
Na maior parte das vezes queria apenas compreender essa indiferença tão natural que te desperta para todas as realidades, afastando-te do mundo em larga escala. É a despreocupação que nos separa... e separa mesmo.
A angústia preenche-me todos os pedaços soltos da garganta apertada, cujo nó lá fica, cada vez mais amarrado. Sei que te prometi procurar a indiferença, mas acho verdadeiramente que não sou capaz. Tenho demasiadas cicatrizes rasgadas que nem com a melhor massa de polir ficam menos vincadas. Talvez seja esse o problema.
A demasia de coisas que já vi do mundo, os baques que já levei da vida, a incapacidade de não valorizar tudo. Porque o nada que queres que tenha são sempre muitos tudos que se enchem de dúvidas, certezas, convicções e receios.
O teu pedestal continua firme, mesmo com este vento todo que despenteia qualquer cabeça. Imagino-te a falar para o público, com aquele riso despreocupado e costumeiro, tão teu que me dói. Sabes que não estou por perto, mas na verdade estou sempre... é que o meu coração tem controlo remoto e adivinha sempre como estarás, por muito que não o queiras. Eu vejo-te em todos os minutos, ainda que não o queiras.
Vive. Sê-te como és. É isso que te faz a diferença em mim.
Mas não me peças p'ra não te dizer a verdade... é que se há certeza em algum pensamento, é naquele firme que grita que não te mereço.

sábado, 12 de setembro de 2015

labirinto

Exisitirmo-nos num só nunca é fácil. Ainda que possamos ser um, esse caminho está escondido no meio do labirinto em que as paredes se fecham à medida que passamos, impedindo-nos de voltar para trás e escolher outra opção.
Vamos, sem receios. A tua mão puxa a minha e guias o caminho que nos leva ao destino que apenas conheceremos quando lá chegarmos. Gosto dessa tua firmeza, da certeza com que agarras nos meus dedos e segues em frente, impassível, determinado. Sigo-te, segura, ainda que tente muitas vezes espreitar para descobrir o que está em diante de ti. É mais forte que eu...
Vejo lá o perigo, algumas vezes. A ameaça dos cruzamentos que surgem e te obrigam a escolher para onde virar: direita ou esquerda? Sei que escolherás, num piscar de olhos. Que a tua decisão é fácil e imediata, porque sabes quem és e para onde queres ir. Mas eu estou aqui, intrinsecamente ligada à tua mão, e tu sabes que não podemos voltar para trás. Que não podes simplesmente largar-me e seguir sozinho. Não nos sabemos ser mais sozinhos.
Então tenho de te chamar dessa tua batalha com o labirinto. Tenho de colocar toda a minha força e puxar-te o braço, fazer-te estacar e olhar para mim. Falar-te. Lembrar-te que ainda aqui estou e que é preciso ponderar tudo. É preciso olhar para as escolhas, a direita e a esquerda, com transparência, frontalidade e razão.
Estacámos. Colocamo-nos lado a lado. E é aí que te quero perguntar se podemos decidir em conjunto. É nesse momento em que sei que, ainda que existirmo-nos num só não seja fácil, estamos a tentar e estamos a querer encontrar o centro do labirinto juntos. Eu gosto de seguir-te, gosto do teu instinto e da tua força. Da segurança da tua convicção. Mas a opção não é só uma e temos de nos lembrar disso.
Já te disse: é mais forte que eu espreitar para diante de ti. Se assim não fosse, como poderia eu encontrar a força para te parar e fazer pensar nas opções que poderão vir de cada uma das estradas? Terra batida ou alcatrão? Relva ou lama?
Sei que decidirás, por ti. Por nós. Sei que te seguirei sem hesitar, para onde quer que vás. Afinal de contas, este é o nosso labirinto. Admiro a tua força para continuar. Mas... será que tu também não admiras a minha?

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Tempestade

É assim. Sem aviso, sem necessidade, sem premonição. Basta uma palavra, um suspiro, um silêncio. Basta qualquer coisa indefinida mas suficientemente perspicaz. É só isso. O mundo abala-se de novo, como de todas as outras vezes, e tu só tens de arranjar forma de te abrigar da tempestade e esperar que passe. Não vale a pena de outra maneira.
Mas insistes, lutas e tentas derrubar essas forças da natureza de todas as vezes em que vem uma tempestade. Colocas tudo de ti na esperança vã de que as nuvens cinzentas sigam outro rumo e te deixem descansar por um pouco. Nunca resulta.
As tempestades são assim. Chegam, rebentam em todas as direcções e não há nada a fazer se não suportá-la o melhor possível. Encontras o abrigo da noite e no silêncio do isolamento dos outros, fechas os olhos e adormeces até que a chuva se dissipe e os raios de sol espreitem, timidamente.
Não sabes o porquê destas tempestades que aparecem de tempos a tempos, só sabes que elas virão e assombrarão para sempre a confiança da sombra que podes ser daqui para a frente.
E daqui para a frente ninguém sabe como é... Só podes saber que a tempestade voltará e que não há nada que te salve dela se não a crença de que um dia a chuva te poderá lavar a alma.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

camisa nobre

Sei que te cheguei destruída. Em farrapos que tentam voltar a ser vestidos de novo, numa peça de roupa podre completamente desacreditada da sua capacidade de se tornar um novamente. 
Cheguei-te assim, mas cheguei-te. Porque mesmo em farrapos não deixo de ser a camisa mais nobre e esperançosa que alguém deitou ao lixo. Mas o meu pano está muito amarrotado e é-lhe difícil aceitar que poderá ser uma só peça novamente… 
Em todos os momentos tento suaviza-lo, mas preciso que empregues o teu melhor ferro de engomar para que eu consiga fazê-lo. A minha vontade está lá. Eu quero ser uma camisa de novo e quero que me vistas. 
Com o melhor de mim, com o melhor que eu possa ter e ser, depois de farrapos sujos e velhos.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Tic-tac (1 - perdido - de 15.04)

Tic-tac. Tic-tac. Tic-Tac.
Num a tua cara, noutro o teu nome.
E alguém poderia adivinhar que se ergueria algo assim?
Entre os momentos o coração acelera em picos de adrenalina, transformados em medos sinceros deste nada nunca passar a ser o perto de tudo. Os desejos ficam ansiados e já não se sabe o que querem alcançar… Será demasiado? Será apressado? Será, até, propositado?
Tens de entender: a minha calma ficou abalada no momento em que, na tua inocência, fizeste abrir uma passadeira para o meu coração.
A responsabilidade aumenta, o querer alcançar o propósito de tudo num ápice é incontrolável, ainda que impossível. Sabemos que o tempo dirá o resultado, porque diz sempre. Mas é assim tão mau não querer esperar?
É que a felicidade está já ali, ao virar da esquina, e o tic-tac que me percorre o cérebro enquanto para lá caminho faz com que os sorrisos e as lágrimas sejam irmãos. Quer de medo, quer de amor.
Mas afinal de contas como é que controlamos isto? Como é que modelamos quem somos no percurso até que ambos sejamos?
Estes tic-tac inexplicáveis são os mais puros, os mais inquietos. Os mais autónomos e também os mais esperançosos.
No meio desta construção que esperamos forte, um pensa demasiado enquanto outro vive.
Ajudas-me para que vivamos somente os dois?

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Z



Perguntam… “o que foi que aconteceu?”.
Foste apenas tu, que decidiste amarrar-te a mim sem que o assumas, tal qual o ‘Z’ marcado por aquele sonhador de capa negra em noites escuras, que não pretende mais se não ensinar a vida a deixar-se amar.

domingo, 9 de agosto de 2015

26 de Junho de 2015, 03:30

Foi uma exclamação. Foi o ponto que terminou os factos que me deu a certeza de que é melhor deixar o teu caminho. De que ganharei mais se me deslocar noutro sentido. Foi a assertividade inequívoca dos factos.
Contigo não quero factos, quero redundâncias que tragam os sonhos e esperanças não reprimidas. Quero verdades intencionadas e não nuas e cruas. Quero a expectativa de um novo dia, de uma nova hipótese. Quero um sorriso e um olhar, ambos no mesmo sentido, em sintonia de ambições.
Deste-me a exclamação. Deste-me o "cala-te" mais silencioso de sempre. Devia ser-me suficiente para agarrar em mim e ir por outro lado. Devia contentar-me com os teus factos em vez de querer o indefinido. Mas não, não consigo. Não desisto, não sei como o fazer.
O teu perfil é demasiado presente para que consiga mandar-te fora como queres. Não me peças isso. Foi uma exclamação. Podes antes deixar-me as reticências?

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

gritos mudos

Impassível.
A música toca e o mundo gira à tua volta, mas não te mexes sequer. Estou à tua frente, a tentar perceber o que sai do teu olhar.
Imperturbável.
A mesma expressão, as convicções do teu pensamento demonstradas no teu respirar que ninguém consegue apanhar, de tão puro, verdadeiro e diferente que pode ser.
É dia e noite. Passa a vida e fica a calma. Continuas. Imóvel.
Fixo na minha mente... assim, só. Despido e atraente de verdades da alma, da capacidade de amar sem condescendência, da destreza de ter coragem para arriscar.
Não sei se terei a dignidade necessária para te receber, assim. Mas sei que procuro o melhor de mim para conseguir retribuir algo de bom que te possa ser.
A minha verdade.
Sorrio e choro. Toco-te e observo-te. Bebo-te em demasia sem nunca conseguir matar a sede de te querer. De te crer.
Impassível. Imperturbável. Imóvel.
Demasiado frágil e seguro ao mesmo tempo. As dualidades e os limbos são o teu forte... mas há algo em que não sejas forte? Para o bem e para o mal.
Desculpa-me, mas a intensidade não sou eu.
Já viste como sou tão calma ao lado desses gritos mudos que dás de cada vez que me olhas?

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

botão automático

Posso correr para ti e abraçar-te desmesuradamente? Posso? Deixas-me ir de repente de encontro a ti para te apanhar desprevenido e poder apenas, naquele segundo em que pensas no que me deu, enlaçar os braços à tua volta?
Se outros gozarem, que o façam... Que no fim também nós saibamos rir, de olhos metidos nos olhos, certos, eu e tu, de que não podia ser de outra maneira. Posso correr para ti e abraçar-te com a cabeça encostada ao teu peito? Posso? Apertando-te contra mim, grata por estares ali, de novo, com a mais pura bênção de seres quem és.
Quero muito ter a coragem de correr para ti e abraçar-te sem receios. Sem vergonhas do que é assumidamente feliz na minha existência. Com a meninice que ainda cá vive, escondida, e que só tu soltas de cada vez que te és para mim... Com a vontade de, no fim, saber que nada ficou por fazer. Que fui autêntica, que fui a corajosa que me acho ser aos teus olhos. Que me fui.
Posso correr para ti e abraçar-te? Apanhar-te desprevenido?
Diz-me que posso... e que o teu botão automático apenas me abraçará de volta. Posso? Se correr para ti conseguiremos enlaçar-nos? Saberemos ser-nos? Se eu correr para ti irás sorrir-me sem que eu o veja, colada ao teu peito? É que sem isso eu morreria...
Posso antes garantir que sei pôr esse botão automático a funcionar?

quarta-feira, 29 de julho de 2015

balas

Pum, pum, pum. São três tiros certeiros, em cheio no coração, como aqueles que vês nos filmes e seguem direitos ao alvo.
É só isso que faz estremecer, que faz duvidar, que faz abalar, que faz não querer saber, que faz preocupar mas, sobretudo, que magoa. É a indiferença bem direccionada quando se julgou ser mais do que o que afinal se é. São somente as virtudes mascaradas com uma desilusão momentânea de quem apenas quer uma palavra de volta, qualquer coisa, a partilha da mais pequena felicidade.
Seria apenas um pequeno esforço que de tão natural nada teria de esforçado... bastaria apenas a reciprocidade genuína que se julgou ter, dada a capacidade verdadeira de se ser numa partilha somente diferente.
Pum. Pum. Pum. É que as balas marcam e deixam mossa... Os pensamentos acumulam-se quando lembramos e lembrar é calcar a bala mais para dentro. É trazer todas aquelas vezes em que disparaste a arma e os tiros passaram de raspão mas ainda assim fizeram-se sentir.
Explica-me. Diz-me o que tenho de errado. Haverá motivo para me disparares assim, sem aviso e insistentemente? Onde estamos nós, aquilo que nos éramos? Porque é que deixou de haver o minuto reservado para a reciprocidade? Pode ser que um dia mo saibas dizer... precisarei disso?
Pum.
Tinha-te aqui. Confiava-me sem receios.
Onde resolveste ir? O que te levou de mim?
Pum. Pum.
Sempre soubeste que 'insegurança' é o meu nome do meio...
Pum. Pum. Pum.
Sempre soubeste que gostar de ti sem razão é o apelido que me dá identidade todos os dias.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

,afinal.

São os enigmas. É o enigma. Aquela lágrima fácil que se criou às primeiras notas e ganhou forças enquanto se tinha os olhos vidrados nos céus e aquelas palavras eram gritadas do mais profundo ser e sem um som minimamente audível.
São as energias. É a energia. A reacção inequívoca do corpo quando lhe tocas cheia de um estremecimento natural depois desse olhar profundo e meigo que só aí se encontra por te ser tão de dentro.
São os receios. É o receio. De que a verdade pura se torne numa mentira demasiado cruel e fujas tão depressa como chegaste sem um caminho definido mas simplesmente distante porque algo te diz que não dá para ser assim tão bom como até aqui.
São as vontades. É a vontade. O querer por poder encontrar uma correspondência surreal dentro da improbabilidade mais certa que alguma vez ficou junta de tão diferente e honesta ser igual a si mesma.
São as crenças. É a crença. Impensável mas sempre inerente a todos os dias e aos sentimentos que se partilham sem sentido e criados pela razão que não se conhece mas se sabe sempre ser a mais acertada de tão especial e diferente que é.
Os enigmas. As energias. Os receios. As vontades. As crenças.
Mas isso importa?
És tu.
Numa enigmática energia que traz o receio de que a vontade de crer em ti se vá embora.
És tu...
São as certezas. És a certeza, afinal.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

somente.

Enches-me a alma num gole sôfrego, como aquela música que ecoa e faz com que saia um grito. Não sei porquê, nem por quem. Não interessa. Sabes aquele sorriso imediato e a mão que me agarra o pescoço? É só isso, mais nada. O mundo parado pelos momentos que me apetecer. Desligado do resto, de tudo, do que for preciso.
O imediato pelo imediato, o calor pelo frio e a constante certeza de que nada está certo e o é apenas. Ser é uma descoberta de um novo eu mais calmo e sobretudo fiel a si mesmo... Tomara eu poder explicar-te a beleza disso mesmo. Da capacidade de não ter medo de errar ou simplesmente de não ter medo tantas vezes.
É como aquela água que corre sem parar, como aquela voz que se ridiculariza, como duas individualidades que decidem ser uma, sem remendos e sobretudo sendo como se tem de ser. É ter a timidez escondida na falta de coragem do mais pequeno e ternurento gesto, que acaba por compensar todos os outros. É seres.
Encher a alma num gole sofrêgo, numa calma apressada, numa saudade desperdiçada e sobretudo em ti. Encontrar o campo no meio da cidade, desfrutar do mais pequeno prazer que somos nós mesmos. É só isso.

terça-feira, 7 de julho de 2015

amélie poulain

"Então, minha querida Amélie...
Não tens ossos de vidro. Podes suportar os baques da vida.
Se deixares passar esta oportunidade, então, com o tempo, o teu coração ficará tão seco e quebradiço como o meu esqueleto.
Então... Vai em frente, pelo amor de Deus".

Ela foi.
E não podia ser mais feliz com isso.

domingo, 21 de junho de 2015

injecção letal

O calor deixa o corpo peganhento e traz as incertezas de volta. A água é sôfrega, temperada entre o natural e a frescura que poderão deixar tudo simplesmente normal. O pensamento anda por aí à solta, deixando que todas as ideias tenham uma oportunidade, sejam elas quais forem. Vive-se a vida de outros que, na ficção, resolvem problemas com uma rapidez irreal mas ambicionada por todos os que, na verdade, querem ser corajosos.

Ambicionar é a vacina letal cuja sentença de morte é declarada todos os dias. Querer por poder sonhar é ver a agulha introduzir-se no braço e aceitá-la sem dor, sabendo que o destino percorrerá caminhos desconhecidos, penosos e incompreensivelmente desconcertantes. Nem sempre é fácil achar a veia certa, mas a vacina da ambição é sempre dada a todos aqueles que, em algum momento, decidem deixar que os sentimentos flutuem sem controlo.

As roupas demasiado coladas ao corpo deixam o desejo de um banho de mar, onde a espuma das ondas transporta a casa. O luar é o companheiro perfeito para partilhar lágrimas internas, de uma tristeza sem razão, profunda e intensa. Ao mesmo tempo a alegria da redescoberta de quem se pode vir a ser um dia. Vive-se a vida daquele momento, sem razão e com a completa consciência da efemeridade fugaz.

Em todos os momentos, ambicionar é a garantia do fim. É a receita que entregamos para que a injecção nos seja dada com a assertividade de que não é preciso ter medo. Mas é. É mesmo. Com força, com determinação, com consciência. É preciso ter medo de ambicionar, de ver tudo desaparecer aliado a um simples desejo. Até o calor passa a frio e o corpo peganhento passa a precisar de um casaco bem quente para sobreviver. Ambicionar é a garantia do fim.

Já olhei a lua e saboreei a espuma a bater nas pernas. Vou continuar em frente até perder o pé, para lá das ondas… afinal de contas, não é aí que se ambiciona? Está aqui o meu braço... Não te preocupes, não tenho medo de agulhas.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Voltou a música

Hoje voltou a música. Voltou a atitude e a vontade de descer os vidros e cantar para o mundo. Com alegria, voz alta, interpretação e, sobretudo, vontade. O que soasse era o que definiria o sentimento: canções sofridas, vingativas, enérgicas ou esperançosas.
Imaginar o que transparecia era mais um motivo para continuar a desfrutar daquele pequeno momento, vivido por dentro, plo descarregar de emoções, com sincera intensidade. Hoje voltou a música... E quanta saudade tinha dela. As saudades de um eu perdido mas que ali encontrara um novo caminho, feito com a companhia certa.
Hoje voltou a música e com ela as ambições. O querer mais e melhor, saber cantar sem desafinar e dançar com movimentos precisos e sentidos... Cativantes como tudo deve ser, afinal de contas.
Abdicava do sono para poder encarar uma sala vazia, com um rádio como este e espelhos a toda a volta, onde pudesse testemunhar esta certeza de que tudo ganhará o caminho que tiver de se construir. Abdicava do descanso para ter sempre, no inconsciente, a veracidade de que o positivismo vale a pena e que o futuro traz novidades... Seja o futuro de agora, de logo, de amanhã, do para sempre.
Hoje voltou a música. Hoje voltei eu. Não há como voltar atrás.
Hoje chegaste tu... de olhos fechados, sorriso cheio, e uma dança tão nossa que nada me apagará esse desejo da memória.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

secretamente

Tenho o teu sorriso mais vincado do que qualquer uma das tatuagens que me voluntariei fazer. Quem me dera a mim que fosse só essa a marca que me colocas, mas é essa e tantas outras...
A inércia deixa-me aqui, quieta. Com tudo dentro da cabeça e sem que o coração ganhe voz precisa, para tomar coragem e fazer algo, seja o que for. Quererá ele pronunciar-se? O pensamento corre atrás da vontade de um toque fugaz, sentido de forma diferente. Os desejos secretos amontoam-se num emaranhado de recados sem nexo, que existem não se sabe bem porquê. Uma palavra bastaria para que tudo se desmanchasse e voltasse a construir, mas desta vez com as peças certas, no sítio certo. À espera de um sinal que não chega e que provavelmente nunca chegará...
Oiço aquela música, a melodia que já havia esquecido mas que hoje tanto sentido faz. São todas as palavras, todas as notas. Em cada uma há um pedaço de ti que não sabes que tenho, mas que sem querer me deste. Sei que não preciso de mais... que me posso agarrar a isto e sonhar como nos outros dias, por uma cumplicidade sincera em que vi o meu gargalhar igual ao teu.
Queria ter a coragem de to pedir. Um mapa, um caminho traçado para chegar aí. Ao cerne de ti que tão bem sabes esconder... um rumo fácil até ao teu sorriso, até à forma delicada como moves os dedos das mãos, ao teu olhar que automaticamente se esconde.
E valeria a pena ter a coragem? Sei que não.
Mantenho-me aqui, com o teu sorriso, as tuas mãos, os teus olhos e a tua pele. Levo-os para os meus sonhos. Guardo-os no coração.
Ficarei à espera... um dia talvez veja em ti aquilo que trago dentro de mim.

domingo, 14 de junho de 2015

A cor

Hoje não te vi o olhar. 
Fiquei-me pela assertividade de um dos teus braços morenos que gravei na memória para o meu inconsciente poder levá-la e fazer dela o que quiser. 
Sabes, estavas vestido da mesma cor do que daquela primeira vez. A imagem que te tinha ficou cimentada e diferente, tudo em escassos minutos que se farão eternos, uma vez mais. Não sei por que motivo me mexes assim.
Sei que me fixaste por breves segundos e que te desiludi. Senti-o na pele. Ser-me não é o suficiente para ultrapassar a barreira elástica que nos colocámos desde logo e por mais que eu tenha agulhas pontiagudas nas mãos para a furar, nunca a conseguirei rebentar a menos que faças força comigo. Não queres fazê-la... Já sei. 
O que não sei é porque me puxas tanto, sem teres o mínimo interesse em fazê-lo. Porque me chamas quando na verdade eu preciso é de ir embora... Quando me respondes simplesmente porque, tal como eu, não sabes como não o fazer. 
Não te vi o olhar, por mais que o tenha procurado. Vi-te fixar todos os cantos possíveis, excepto a minha frontalidade.  E até isso te faz tão doce... Só a ingénua tristeza se expressou em mim por, ainda assim, conseguir receber-te puro sem que o queiras. 
Sabes, estavas vestido da mesma cor do que daquela primeira vez. 
Acho que é por isso que não desisto de sonhar. 

quarta-feira, 10 de junho de 2015

ninguém te mandou sorrir-me

Só me dás certezas. Eu nada te deixo.
Já viste o poder de um sorriso?
Foi imediato e genuíno. Naquela hora nem reparei... Mas agora não esqueço aquela imagem que repetidamente me vêm à memória, tal qual os jokers do baralho que aparecem e não têm função nenhuma que não a de criar expectativa e esperança em quem, inadvertidamente, os encontra.
Vejo em ti momentos de cumplicidade repletos de um sentimento que nunca encontrei e não sabia que procurava. É o ser apenas porque se pode sentir.
Sei que viriam os abraços, os olhares que dispensam palavras e, sobretudo, os risos. Os risos até às lágrimas, inesperados e completamente saborosos.
Lembro-me tanto dos teus olhos que não tenho a certeza de alguma vez os ter visto...
Sei que nada te deixo... provavelmente nem te lembras que cruzaste a tua vida com a minha. Mas tu, aí nessa redoma, tens-me deixado tanto...
Já viste o poder de um sorriso?

terça-feira, 26 de maio de 2015

Medos

São os medos, os medos, os medos.
Os medos de me ver sem ti se ainda agora me chegaste.
Os medos de que seja tudo uma mentira que o tempo confirmará.
Os medos de que não seja possível transpor para o real aquilo que tem o coração.
Os medos... São só medos que cruzam todos os momentos, pequenos ou grandes, mais ou menos bons. Os medos que invadem os pensamentos e lá permanecem.
Os medos de não ter os sorrisos. Os medos de que os sorrisos que soam genuínos sejam programados, pelas circunstâncias escondidas da vida que de tão transparentes serem não se vêem.
E é horrível ter medos.
Contigo.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Como se faz mais por isto? Como se processa este crescimento? Podemos simplesmente deixar os medos de lado e mandar para fora o que seja? Sem mágoas, ressentimentos ou julgamentos?
Iremos sempre compreender-nos ou passaremos a odiar-nos?...
Demasiadas perguntas, talvez. Sabes quem lhe tem as respostas? O tempo.
E eu não confio no tempo.
É a única coisa a que não dou o benefício da dúvida. Eu só quero que o tempo acerte ou falhe, o mais rapidamente possível.
O trabalho do tempo já me deixou mal tantas vezes que a minha ansiedade receosa do futuro se sobrepõe à naturalidade… e a naturalidade estava a ser tão perfeita!

relógio

Sabes quando a cabeça está louca e não sabe qual o caminho certo?
Quando queres que as palavras deixem de ser ocas e os sentimentos se sobreponham a tudo o resto?
Um dia sim, um dia não. Num minuto certeza, noutro minuto dúvida.
Tic-tac-tic-tac...
O relógio não pára e tens de decidir quem queres ser.
Renunciarás aos medos e mostrarás a tua transparência ao mundo?
Ficar-te-ás pela segurança da ingenuidade?
A cabeça está louca e todos os pensamentos fazem sentido de igual forma. Atitudes precisam-se. Intenções disfarçadas não se querem. Não te esqueças: o relógio não pára. Queremos perder mais tempo?
Sei que é difícil lidar com o tudo. Mas afinal o tudo é nada e na imensidão do quotidiano reles e vazio, é preciso escolher o caminho. Certo ou errado, é preciso escolher. Limbo? Nunca tive jeito para isso. E aquele barulho continua presente: tic-tac-tic-tac...
O futuro apresenta-se positivo. Mas não se constrói sozinho. Por mais que assim queiramos que o seja... Atitudes precisam-se.
Vais tomá-las ou não?
É que mesmo com a cabeça louca é preciso escolher.
E são as escolhas que determinam a verdade de quem somos.
Lá está, atitudes precisam-se: tic-tac-tic-tac...

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Madrasta

A vida não é mãe, é madrasta.

Tem a obrigação de cuidar de nós, imposta pelas decisões que tomamos todos os dias. Não há sentimentos agarrados, há apenas caminhos que ficam destinados consoante aquilo que a vida quer para nós... Numas vezes boa, noutras vezes má. A vida, que é madrasta, só sabe ser ela mesma, com uma objectividade cruel.

A madrasta não se foca apenas em cada um de nós... Ela distrai-se com outras madrastas que se cruzam no seu caminho e que, com o seu tratamento para connosco, se querem meter. É aí que a cautela tem de imperar em cada um de nós, pois a madrasta faz com que o mais impossível possa ser tornado real.

A vida não é mãe, é madrasta.

Mais que não seja pela imprevisibilidade de nos amar e odiar consoante a sua disposição a cada dia. A vida não é mãe... Ao ser madrasta desafia-nos tudo: o inesperado, o impensável, a vontade, a força, as crenças, os ideais... E, sobretudo, a capacidade de aceitarmos esse "cargo" que decidiu assumir.

A vida não é mãe, é madrasta.

Mas não há por aí tantas madrastas que são muito mais mães que mães verdadeiras?

segunda-feira, 20 de abril de 2015

as cores da lua

hoje vi as cores da lua e nelas vi-te a ti também.
sorriste, dançaste, rodopiaste e foste feliz.
quase ouvi aquela música que inocentemente tocaste no outro dia.
tentei abstrair-me do mundo e saborear apenas a brisa quente, o pôr do sol e o cheiro da relva. tudo, cheio de sentimentos felizes.
flutuei também eu, aproveitando aquele momento.
o quarto crescente estava bem recortadinho e brilhante.
O laranja, o rosa, o azul, cada um tão bem vincado.
os teus olhos marejados, as tuas mãos tímidas, a tua busca discreta mas que sempre notei.
o rádio dava a banda sonora.
foram três minutos de pura recordação vivida, nítida, real. tantos segundos condensados num pacote recheado de alegria diferente.
vi as cores da lua, vi-te a ti também.
mas perdi-a de vista. as cores deram azo a uma negridão que trouxe a noite.
só aí me apercebi que afinal de contas tudo isto tinha sido culpa do sol.

terça-feira, 14 de abril de 2015

chão

É a fragilidade. Com que se constrói e se desmancha, em escassos minutos. Com algo tão pequeno mas que dói de forma tão grande.
A cabeça fica cheia de borboletas dispersas que batem contra as paredes, sem que consigam andar juntas, em bando, num mesmo sentido. E o quanto isso dificulta os minutos...
No meio do mundo a solidão abate-se como uma faixa negra que se atravessa em frente do olhar. Pelos cantos a luz vislumbra-se mas não se encontra. As mãos esticam-se convictas, mas nada agarram. E agora, como se sai deste caminho perigoso?
O chão é sempre amparo onde as lágrimas encontram lugar. Para onde se cai, resignado à sorte do momento. Onde se quebra, porque está na hora.
Mas farta. A reacção começa a fervilhar e é preciso voltar ao ar.
Onde está aquela mão esticada para que nos levantemos de novo?

segunda-feira, 13 de abril de 2015

trança

A felicidade é como uma trança infinita.
Bocadinho sobre bocadinho, o desenho fica fluído e bonito, como deve ser. Conforme os fios que se unem vão crescendo, mais forte ela fica. Brilhante, única, nossa.
Apertamos-lhe a ponta, com um elástico que dá várias voltas. O tempo deixa que lhe acrescentemos mais entraçados e no final voltamos a apertá-la para que fique sempre firme, com um aspecto de vivacidade incrível.

Mas há sempre o engraçadinho que nos vem puxar o elástico num momento inesperado. Que desmancha um bom bocado da nossa trança e nos faz sentir que perdemos um pouco de nós.
Precisamos de aceitar esse amargo sabor de desilusão. De uma dor crua, causada pela esperança que nos foi arrancada. O sorriso contorce-se e os olhos ficam rasos de água.
Voltar a entrançar o que antes esteve feito não é fácil... os fios passam a ter pontas soltas que nos irritam, que nos frustram e que ameaçam o resto da trança. E passamos a olhar com desconfiança para o audaz que nos arrancou o elástico.

E agora? Como se ganha coragem para pedir que nos voltem a entrançar aquele pedaço feliz? Como se explica que o sentimento pleno que se partilhou ao entrançar foi destruído pelo arrancar de um elástico?

A trança é infinita. Os modos de a entrançar também. Mas os que têm poder de a desmanchar... retiram-lhe o brilho de outrora.

Podes, por favor, ajudar-me a dar força aos fios outra vez?



segunda-feira, 6 de abril de 2015

.A

Não sei se é de ti, da tua cara enigmática.
Não sei se é de mim, da mania de querer saber mais.
Com indiferença procurei conhecer, descobrir e apreender. Entender-te de alguma forma, sem que soubesses da minha vivacidade em perguntar por ti.
A mal ou bem os caminhos foram-se preenchendo, mas nunca ficaram completos. A incapacidade envergonhada trava as intenções verdadeiras de saber o que está para além de um olhar.
E naquele dia vi-o brilhante, diferente. Vi-o sentido de pureza, de um amor diferente que sem saber me explicaste tão bem.
Guardei-o tanto comigo... sabes? O mexer dos teus lábios com as palavras honestas que me dirigiste. A água de uma lágrima que se transformava em sorrisos inocentes e periclitantes.
E pudesse eu devolver-me assim... Recebê-lo-ias com tamanho encanto, mesmo sem saber.
O futuro constrói-se no presente de cada dia e os trilhos continuam a formar-se sem destino certo. Talvez seja manha minha precisar das definições e ter medo do inesperado, mas vou tentar. Vou deixar que a esperança do meu coração não se magoe e possamos chegar a algum lado... ou não. Quem sabe?
Será de ti, da tua cara enigmática... será de mim, da mania impulsiva de querer saber mais. Seja de quem for, que seja o que quisermos que venha a ser.
Mas aqueles minutos, aquele olhar, aquelas palavras e aqueles sorrisos... nada apagará o completo abraço que tivemos.
E nesse dia chegámos ao destino.