segunda-feira, 31 de maio de 2010

vazio

Quando a solidão se apodera de nós e não sabemos o que dizer, é assim, assim que sou, que estou e que fico. Eu, aqui, ali, por todo o lado. Eu, encarcerada em mim, sem capacidade de encontrar o preenchimento de todo o meu vazio.

"Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!


Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!"

Florbela Espanca

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Tenho Saudades da Carícia dos Teus Braços

Hoje faço minhas as palavras de alguém que 'fala' melhor do que eu:

Tenho saudades da carícia dos teus braços, dos teus braços fortes, dos teus braços carinhosos que me apertam e que me embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos, dos nossos grandes beijos que me entontecem e me dão vontade de chorar. Tenho saudades das tuas mãos (...) Tenho saudades da seda amarela tão leve, tão suave, como se o sol andasse sobre o teu cabelo, a polvilhá-lo de oiro. Minha linda seda loira, como eu tenho vontade de te desfiar entre os meus dedos! Tu tens-me feito feliz, como eu nunca tivera esperanças de o ser. Se um dia alguém se julgar com direitos a perguntar-te o que fizeste de mim e da minha vida, tu dize-lhe, meu amor, que fizeste de mim uma mulher e da minha vida um sonho bom; podes dizer seja a quem for, a meu pai como a meu irmão, que eu nunca tive ninguém que olhasse para mim como tu olhas, que desde criança me abandonaram moralmente que fui sempre a isolada que no meio de toda a gente é mais isolada ainda. Podes dizer-lhe que eu tenho o direito de fazer da minha vida o que eu quiser, que até poderia fazer dela o farrapo com que se varrem as ruas, mas que tu fizeste dela alguma coisa de bom, de nobre e de útil, como nunca ninguém tinha pensado fazer. Sinto-me nos teus braços defendida contra toda a gente e já não tenho medo que toda a lama deste mundo me toque sequer.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

quarta-feira, 5 de maio de 2010

qual é a essência da amizade?

Quase desde que nascemos, pelo menos desde que somos bem pequeninos, é-nos induzido o conceito daquilo que é ter amigos. Quem não se lembra dos amiguinhos do infantário? A questão é que não basta ter amigos, há que ser também um. Depois, enquanto vamos crescendo, as responsabilidades de ter amigos aumentam e o próprio conceito muda. Sim, isso mesmo. Quer dizer, na creche podiamos andar à estalada com os nossos amigos, chorar um bocadinho, e nos minutos seguintes já estar tudo bem. Depois vamos para a primária e já discutimos por um dia inteiro com os amigos, porque gostam do mesmo rapaz ou da mesma míuda que nós. Segue-se o ensino básico, em que há sempre a parvoeira de não falar com alguém durante uma semana e quando chegamos ao fim desse tempo já nem nos lembramos do motivo pelo qual deixámos de falar com o nosso amigo. Ainda há o secundário, em que se fazem grupos e todos prometem ser amigos 'forever', mas que o tempo faz esquecer... e de seguida, o que é suposto acontecer? Deveriamos nós descobrir a essência natural da amizade em vez de saber apenas o que é o egoísmo?
Sinceramente, penso que não. Essas coisas não se descobrem de um momento para o outro apenas porque é essa a altura para tal acontecer. Deveriamos ir assimilando as mensagens: perceber porque é que andámos à chapada na creche, porque é que gostámos da mesma criança na primária, lembrar do motivo pelo qual deixámos de falar com alguém no básico e ainda saber a razão que nos fez acreditar que teríamos aquele grupo de amigos para sempre. Em cada pequena coisa, em cada gesto, em cada palavra, deveríamos ser capazes de construir algo que nos ultrapassa em vez de exacerbar aquilo que somos com vista a ser melhor que tudo o resto. Enfim, é díficil, se não impossível, explicar a aprendizagem daquilo que é o verdadeiro sentido da amizade. Eu, pelo menos, não consigo fazê-lo. Não me posso dizer uma boa amiga, porque as únicas pessoas que poderão dizer isso são aquelas para quem o tento ser. Ainda assim, há pessoas que não conseguem assimilar as pequenas mensagens que vêm com aquilo que deveria ser o seu crescimento e que apenas deambulam por aí com o único propósito de elevar o seu egoísmo e estatuto que acham superior. Não compreendo.
Ainda há, nesta fase da vida, aqueles que, em vez de darem chapadas para ficar tudo bem a seguir como dantes, agora dizem coisas que ficam marcadas e agem como se nada fosse e estivesse tudo bem. Ainda há, nesta fase da vida, aqueles que, em vez de gostarem da mesma pessoa que nós na primária e ao fim do dia passarem a gostar de outra, agora se esforçam continuamente por gostarem da mesma pessoa que nós, propositadamente. Ainda há, nesta fase da vida, aqueles que, em vez de não nos falarem durante uma semana e não se lembrarem do motivo para que isso aconteça, falam connosco continuamente, sobre coisas irrisórias e com que deviam estar calados, continuamente sem cessar. Ainda há, nesta fase da vida, aqueles que, em vez de criarem grupos de amigos para sempre, se acham amigos desde sempre e se intrometem na essência de cada um destruindo a pessoa aos poucos. 
Mas serei eu a única pessoa indecente que vê tudo isto? Ou serei eu a pessoa certa ao constatá-lo?
Que me julgue quem quiser e quem se ache no direito de fazê-lo. Afinal de contas, parece que também eu estou a julgar... ou não? Que me julguem os meus verdadeiros amigos, que percebem as diferenças entre a meninice e o agora. Contudo, haverão sempre aqueles que lerão tudo isto e pensarão que endoideci, de vez. Esses, esses que não compreendem as diferenças mas acham compreender, não são meus amigos. Não seu meus amigos por um simples motivo: não são amigos de ninguém. É que para isto de saber o que é a amizade e com isso mesmo tentar melhorá-la a cada dia, é preciso, pelo menos, conhecer o significado de altruísmo e rejeitar o de egoísmo. Infelizmente, há muitos que apenas conhecem o de ilusão, sendo nesse que vivem. Eu conheço aqueles em que acho que se deve basear a amizade. Posso não ser a melhor amiga do mundo, mas tento ser uma amiga melhor a cada cinco minutos. Aqueles que não sabem o significado disso, entristecem-me. É por isso que não são meus amigos, não sabem ser amigos de ninguém.