domingo, 21 de dezembro de 2008

luar

Noite que permances calada e quieta onde procuro a acalmia desta dúvida. Preciso que a colmates nesta minha indecisão do ser, sobre estrelas dispersas em que salto de vontades. Brilham lá em cima, tanto como aqui dentro, na minha pequenês do sentir. De movimento em movimento estão presentes, como realidade especial de uma hora de luar. Lua que brilhas, deixa-me que te pesque as estrelas somente para sabê-las minhas.
Que em ti me perco de sonhos vãos, imagens que quero verdades mas que em tudo de nada se afiguram semelhantes ao que tenho. Vontades, apenas pretensões distantes irrealizáveis. Porque as tenho sempre ainda que em nada as queira. Coerência, luz correcta, fica inquestionável. Não ficas, nunca, apenas efémera e enganadora, visões inúteis e de mágoa.
Luar que nada me trazes apaga a esperança, que não a quero mais. Cansei-me de te procurar como repouso calmo e persistente, tendo-te como toda a frustração de um que pensei direito. Vai rumo a outro mundo que não o meu, que nada de novo me trazes na imensidão daquilo que é o anseio de uma verdade assumida. Lua, estrelas, ainda que vos queira, não vos posso ter diante de mim.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

dualidades inteiras

Foi quando me conheci, inteira e pequena, que soube haver duas mãos. Com os braços esticados em frente e as suas palmas viradas para cima, fácil seria sempre ter algo que ali caísse, incólume, vantajoso. Mas não, nada. Uma teria o peso, a outra a leveza. Como aquilo, o que falta, o que se deseja.
Ontem perdi-me pelas páginas de um livro e encontrei uma vida. Uma história de medos, de vontades, de vidas. Mais do que imensas, são almas. Presas, comuns, unidas por um propósito que ali os faz ficar, quietos e soturnos, com pensamentos perdidos pelo ceú estrelado daquela noite. Vagueando lá no meio, a mim nada me pesa. Que pense, nem sei, que sinta, toda uma paixão envolta no querer de um sorriso.
O amanhã sei ser diferente, o fim. Uma etapa termina e o peso volta a ser leveza. Leveza sustentada de força que carrega, que responsabiliza. Afinal, venci. Afinal, cada vida no meio destas páginas, conseguiu. Ainda que não as saiba de cor, sei-las todas, num só sentido. Já sentidas como minhas, todas as personagens que vi passar, que correram, que gritaram, que lutaram, noites, dias, momentos sem fim.
Descobri nessas minhas duas mãos, o querer e a ambição. É o que se lhes pede que façam. Ainda que sem expressão, há felicidade por cumprir um objectivo. Coloco de novo as minhas mãos junto ao meu corpo e sei. Ainda que uma tenha o peso e a outra a leveza, afinal, ambas são iguais. Como? Porquê? Porque dentro daquelas páginas, um só se formou e fez com que todo o peso e a leveza nada mais fossem que o concretizar de um sonho.

domingo, 14 de dezembro de 2008

fugacidades subtis

O meu mundo de papelão desabou. Aquela caixa onde tinha dentro todo um emaranhado de ligações do sentir, desfez-se com esta chuva "molha-tolos" que caia insistente, parece que afinal exerce pressão sobre tudo.
Foi num ápice que se montou a caixa, e ainda houve tempo para fortalecer as dobras com fita-cola. Agora vejo que até esse fortalecer está no chão, esticado e cheio de salpicos de àgua. Há momentos inexplicáveis... Não me perguntes o porquê, que não sei dizer-to de outra forma que não o atabalhoamento, mas sei que este nó na garganta e a comichão dentro da barriga são indicadores de medo. Assumo-o, tenho medo!... Tal como a minha caixa se desfez, tão rapidamente, será que vai conseguir voltar a erguer-se?
Não são lágrimas, que já não as há. São repulsas de incompreensão que moem, que doem por me saber incapaz de aguentar o desfecho. Se ao menos tivesse tido a coragem de te dar aquele abraço...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Sai.

Sais e bates com a porta. O teu sorriso final é encantante, mas sei que te foste embora do meu mundo de ilusão, de uma vez. Não voltes, que vou querer-te. Caminhas sobre os grãos de areia da praia, caminhando rumo ao longe, àquela falésia lá ao fundo. Espero que chegues antes que me deixe cair, senão serei todo um fundo sem mim.
Foste embora mas pouco me importa. Vejo-te através da janela e sei sentir já saudades. Não me és nada, de ti nada quero senão o esvoaçante que agora desapareceu, porque o fizeste de propósito. Tenho-te impressão, que me enraiveces facilmente. Tu, vai-te embora, depois de te enraizares naquilo que sou.
Parece que sinto algo na fechadura, mas devem ser devaneios de uma alma. Tu, voltar atrás?, nunca!. Mesmo que viesses não te aceitaria de volta. Afinal ainda não deixei de te querer. Sabes aquele espelho onde vias essa cara e rias? Não sou capaz de olhá-lo mais. Cheio de profundezas inquietantes que trazem momentos reais, pequenos, mas importantes.
Sai, de uma vez. Nem deixes a mala entalar na porta. Não quero que fiques, mas que te deixes estar aqui, sem esmurrar o sítio onde encontro perigo de uma futilidade inútil. Vai, mas volta, sem que nunca ponhas cá os pés.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Eu, a boneca.

Desde que me lembro que assim é. Já tive períodos da minha existência demasiados felizes, outro demasiados tristes, mas agora estou apenas na dualidade entre uns e outros... Sabem que mais? Cansei-me.
Aqui sentada na minha prateleira, vejo o mundo à minha volta. De vez em quando vem alguém que me leva, que me abraça ou simplesmente me dá uma festinha na cabeça. Na maior parte das vezes, fico somente aqui, sujeita a todo um acumular de pó. Pelos meus olhos de botões vejo tudo. Pelas minhas orelhas ocultas num cabelo de lã roxa, oiço tudo. Afinal, eu sei o mundo.
Nada interessa, nada, "para quê o cuidar de uma boneca de trapos se ali está tão bem pousada?" Ás vezes deparo-me com um alguém à minha frente, quieto, de pé, a olhar para mim. Tenho esperança, sempre, que me agarrem e levem a brincar, me deixem de novo ver o mar, mas isso nunca acontece.
Uma vez por outra, alguém me puxa por uma mão. Olha para mim, traz-me a felicidade durante um bocado, mas logo me deixa um rasgão: estou velha de sentir e o meu trapo já não é o que era. Depois, quem quererá uma boneca assim, quase perdida? Ninguém. Um dia lá chega junto a mim uma alma que me remenda. Cose o buraquinho que foi feito, mas volta a colocar-me aqui, onde me sento, como se nada fosse nem nada tivesse sido. Quem quererá uma boneca assim, sempre remendada?
E é sempre assim, dia após dia, que vivo somente Eu, a boneca. O que ninguém entende é que mesmo sendo de um trapo já fraco e gasto, ainda sei sentir. Mesmo dentro destas roupas onde todos apenas vêm "A boneca", há algo mais... Aliás, se nunca tivesse sentido, não seria antes uma Barbie dentro de uma caixa vistosa?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Goma

Que lhe foge o sono, que precisa de se expressar. Sozinha, afogada em si, nada encontra senão a paz enervante. Paz que chateia, apenas porque trás a distância do alguém. Decide deixar de o pensar, mas sabe-o tão de cor. Lança-se pelo corredor fora, direita ao carrinho das gomas. Aquela em forma de coração, nunca a provou, mas fica encantada só de vê-la. Compra sempre uma, e outra, mas oferece-as a outrém. Cor-de-rosa e vermelho, polvilhados naquele açúcar doce. É assim o seu aspecto. Dentro daquela caixinha de plástico, no meio de tantas outras, com uma pá que as consiga trazer e pôr dentro do saco. Aquelas gomas em forma de coração, trá-las sempre, mas nunca lhes toma o sabor.
Que lhe fica a saudade, o recordar de outras noites, outras gomas, outros sentires. Que lhe fica o desejo de tomar o paladar daquele coração. Nessa paz que a chateia, tem vontade de correr de novo até àquele carrinho. Ser rebelde, uma vez, e provar, egoísta, o sabor daquele doce, aquele, no meio de tantos outros. Que se já o deu tantas vezes a provar a tantos apreciadores diferentes, demorará muito tempo até que chegue o alguém que lho dê a si?
Impávida, meio sóbria e mais sonhadora, continua andando. De saco na mão, tira-as e come-as, uma após outra. Sem olhar para o conteúdo, é-lhe automático: o coração, o cor-de-rosa e vermelho, permanece no fundo. Sem que lhe toque, para que o ofereça a outrém até ao dia em que chegue o outrém que lho ofereça a si.