quarta-feira, 24 de agosto de 2016

certezas do fim

É esta certeza de que não vai acabar bem, porque vai simplesmente acabar. Porque o encantamento vai passar o prazo de validade e, pior que isso, a normalidade vai dar lugar à desilusão incompreendida sem capacidade para responder a todos os "porquê", "não sei", "enfim".
É esta certeza de que o que se construiu levou a um retrocesso. Que a responsabilidade ganhou um ir e trouxe o egoísmo consigo. Que a capacidade de ser incapaz é nata e inerente.
Não se sabe o que faz com que, em algum momento, se ache na melhor forma e se esteja simplesmente na pior. Porque o respeito próprio esquece o respeito p'los outros. Porque só se agradece quando convém e não quando é genuinamente sentido.
Sim, é a certeza de que o crescimento não vai desculpar a imaturidade. A constante afirmação de que não vai acabar bem, porque tudo se constrói para que acabe. E mal.
Talvez falte um tijolo rematado directamente contra o coração, que envie as mensagens esquecidas à cabeça. Que faz com que, afinal, ainda se saiba ouvir o que de mais nobre se tem em vez da sempre vespertina e irrequieta vontade do que quer que seja.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

a cantoria

Embalada pelo sol, começava mais uma tarde no escritório. As tarefas eram iguais às de sempre e nem uma brisa a entrar pela janela trazia novidade a este dia. Apenas o pensamento, esse voador incansável, ganhava forças para ir a qualquer lado, saltando rapidamente de ideia em ideia, fossem elas tão intrinsecamente ligadas como distantes.
Com a mão no rato e olhos fixos no ecrã, nada via. Os phones automaticamente sobre os ouvidos estavam em silêncio. Perguntou-se como seria poder fazer qualquer outra coisa que não esta, que implicasse movimento e uma correria constante... era disso que sentia mais saudades. Grandes desafios estavam a aproximar-se, mas será que seriam suficientemente grandes para a satisfazer ou apenas se chegaria mais rapidamente a uma ruptura movida p'la rotina que explodiria como todas as bolas de sabão?
Algo precisava de ser feito. Por pequeno que fosse, algo tinha de ser diferente, aqui, neste dia... Então decidiu.
Afiou todos os lápis que estavam dentro do seu copo quadrado e deixou-os com o bico bem proeminente virado para cima. Assoou-se sonoramente para um lenço de papel e bebeu de um só trago a água que restava na garrafa. Depois de respirar fundo levantou-se de um salto e cantou, a plenos pulmões. Enquanto isso, a sua cara expressava cada palavra daquela lírica, bem como os movimentos graciosos do seu corpo que combinavam com a métrica das frases. Os outros seres vivos do escritório ficaram perplexos, assistindo ao espectáculo sem reacção.
Quando deu por terminada a sua performance, voltou ao seu lugar, colocou os phones novamente e continuou a trabalhar no computador. Só aí, nesse movimento de novo comum, se sobressaltou. Adormecera por breves minutos, mas ninguém tinha dado conta...
Não ficou triste quando se apercebeu que não tinha cantado. Lembrou-se apenas de todos os pequenos pormenores que construíam o seu dia a dia. Afinal de contas a rotina não era nada mais, nada menos, do que simplesmente maravilhosa e feliz. Feliz como não antes, por isso diferente todos os dias.
Assim, poderia de facto levantar-se da cadeira e actuar todos os dias para os seus colegas inanimados. Eles sim, presos à falta de criatividade de se saber ser plenamente completo.