Mil e uma voltas à cabeça, somente uma conclusão: a arte do sentir é ingrata. Vangloriam-se uns de que essa arte nada lhes diz, outros arrependem-se de que a mesma lhes seja totalmente inata. É assim, sem escolhas. Enquanto que há quem aprenda desde sempre a não conhecer o outro, há também quem não consiga viver sem o mesmo. Estranho, não? Se se cruzam as dualidades, como será que acaba a história? Rápido, fácil, simples e eficaz.
Quando naquele dia decidiste vir até aqui, tanto eu como tu sabiamos o que nos esperava. A minha pessoa, quieta, sublime, sentia cada respiração tua como a força envolvente da vontade, transpirada de sentires puros, que apenas terias dentro de ti. Tu, inexpressivo, de olhar profundo, nem sei que te chamar. Toda aquela nuance que parecia ser verdade, afinal são representações cruéis de quem não conhece a arte. E agora, que culpa tenho eu que sejas desse jeito inculto, sem preocupações, sem vontades que ultrapassem a futilidade? Porque sim, fútil, é o que existe dentro de ti.
Não quero ser-te superior, mas tenho tanta convicção de que isso é verdade. Afinal tenho vontades e ambições, tenho gostos, conheço paixões... Tu, o que tens? Nada, apenas o nada que dentro de um todo tudo engloba, de uma forma simples e directa. O que tens? Nada, senão a ingratidão. Certamente que sei que nunca mo pediste, mas fizeste tanto que o mereceste. Agora, joga-lo assim fora, como se nada te fosse. Aliás, nada te é. Haverá alguém capaz, um dia, de puxar algo daí de dentro? De colocar um pouco de arte na pessoa que dizes ser?
Não sei que veja quando me vens ao pensamento. Acabo por imaginar-te em palco, diante de toda uma plateia ansiosa em ver-te. O que fazes, é simples. Finges com toda a tua alma, com toda a tua arte! Esta sim, é a tua arte. A única que tens e consegues respirar: o fingimento. Representas como os actores mais famosos que possam existir, de uma forma apenas tua e que consegue cativar todo o público, arrancando-lhes uma brilhante salva de palmas no final. Parabéns, uma vez mais, conseguiste! Não te sentes agora aquilo a que alguém com a minha arte chamaria de feliz? Bem, nem que tente explicar-te, não o entenderias, não é? Mas sabes, tenho uma má notícia para ti. Há sempre um dia em que o pano cai e o que acontece a seguir não é o normal. Há sempre um dia em que apenas uma pessoa vai ver o teu espectáculo, porque as outras já se cansaram de um texto igual. Há sempre um dia em que deixas de convencer, porque te gastaste com tanto fingir. Há sempre um dia em que a tua arte deixa de existir e passas a ser um nada, vazio, uma vez mais. Haverá um dia em que talvez a minha arte deixe de fazer sentido contigo, porque não a mereces.
No dia em que deixar cair o meu pano para o final da minha peça, a tua deixará de ter razão para existir. No dia em que eu fechar as cortinas, também tu verás aquilo que tentas esconder. A minha peça acabou, porque eu decidi pôr um fim na minha arte contigo. A tua, acabará porque a esgotaste, porque até essa tua arte tão nobre do fingir te deixou, como todas as outras artes que por tua livre e espontânea vontade não quiseste conhecer, nem deixaste que te abraçassem. Lembraste de quando no meu alter-ego me achei melhor que tu? Lá no fundo, todos os dias, pensas nisso e sabes que é verdade. A arte do sentir pode ser ingrata, mas é mil e uma vezes melhor e mais pura que a triste arte do fingir. Triste arte do fingir. Triste, porque até existindo, toda ela não passa de uma reles mentira.