quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

bomba relógio

Três... Dois... Um...
Vês os números no visor da bomba e já sabes que não há volta a dar. É demasiado tarde para perguntar se o fio a cortar é o vermelho ou o azul, vai, simplesmente, rebentar.
Caboum. O estouro é inaudível mas destrutivo.
Em todas as direcções voam cacos, pequenos pedaços que antes foram um todo. A tua respiração é ofegante e precisas de fechar os olhos para te concentrar. Tens de, a todo o custo, alcançar a calma.
Quando consegues abrir os olhos todos os bocadinhos estão suspensos à tua volta, numa redoma sem gravidade. A fundo, analisa-los todos. Pegas num que colocas à tua frente. Depois, no seguinte que lhe dará continuidade. Ao fim de três peças juntas, começas a ver uma forma que te lembra o cenário que existia antes da bomba rebentar... mas ela rebentou.
Começas a reescrever a história, pedacinho por pedacinho, e sabes-lhe a beleza de novo. Sorris-lhe, ao mesmo tempo em que a tua respiração torna a ficar natural sem te dares conta.
Quando o puzzle está montado, é preciso limar as arestas e reforçar aquilo que o une, sem esborratar. Aí concentras-te noutro aspecto: o que foi que activou esta bomba relógio? A mal ou bem, assumes para ti as verdades mais cruéis. Aquilo que pode ser duro, mas que é, mais que qualquer outra coisa, honesto. É o que te faz evoluir.
No fim, dize-lo. Fazes o que for preciso para garantir que a bomba parou e as pecinhas voltaram a ganhar sentido. Nesse momento, sem te dares conta, começa um novo ciclo.
Cem... Noventa e nove... Noventa e oito...
A contagem ainda está longe e não consegues dar por ela. Talvez seja hora de apurares o ouvido a tempo, para conseguires saber que fio escolher: azul ou vermelho? Foca-te, tenta, acredita. Quando souberes que fio é, estás mais seguro.
Não queiras correr o risco de voltar a partir aquilo que tanto gozo te deu juntar ao longo dos dias.

domingo, 6 de dezembro de 2015

sushi

Enquanto conduzia o carro de volta a casa, sorriu. Recordou-se da estreia mas percebeu que, afinal, não se lembrava de todos os pormenores. Somente do importante. 

Não sabia onde se tinham encontrado, qual a primeira conversa. Mas sabia que confiara sem receios. Sabia que aquele à-vontade demasiado preenchido pelo nervosismo lhe dera a capacidade de arriscar todos os minutos na procura de algo com substância, se assim tivesse de ser.
Sabia de cor aquele olhar desconcertante, que parecia saber todos os seus segredos sem sequer os dizer. Aquela força lá contida que julgava ou que apenas, sem porquês, procurava descobrir. Sabia que sentira o seu corpo nu e que o seu pensamento havia estremecido.
Sabia que lhe foi dada a capacidade de ser como é e não ter receio por isso. De estar ali, de corpo e alma, bebendo cada gota do café na mesma dimensão dos sentires que procuravam um pretexto p'ra se libertar.
Lembrou pormenores que não se tinha lembrado nas outras inúmeras ocasiões em que aquele estremecer genuíno lhe voltara à memória.

Seria um sonho? Uma ilusão do quotidiano que lhe dá sentires demasiado reais p'ra serem verdade? Pensa que tem de ser um sonho, que nunca teria esta sorte.

Até que se lembra, uma vez mais, da mão quente que lhe agarrou o pescoço e dos olhos penetrantes de honestidade que vira mesmo antes disso.

Ainda agora o arrepio lhe percorreu a espinha... Isso é a recordação mais vivida de que o sonho não é nada mais nem menos de que a sua vida movida de um amor incondicional.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

F.

Não sei como nos conhecemos. Nem como nos fomos. Sei que foste daqueles seres para os quais a minha curiosidade olha e automaticamente pensa que "vou apanhar-te".
Apanhei-te, mais do que o podias imaginar. De forma genuína e pura, porque sim. Porque podíamos... e pudemos. Recordo-me de poucas mas tão boas coisas: da minha incredulidade que me fez chamar-te padrinho, do teu alcoólico discurso que te fez chamar-me madrinha. Assim, sem explicação, nem 'como' e muito menos 'porquês'.
Lembro-me tanto dos sentires... da alegria intensa da certeza da tua escolha, da cumplicidade de uma dança desajeitada, da música que nos faz correr um pró outro, da proximidade demasiado evidente, do olhar que nada diz e tudo sabe.
Lembro-me, até, em demasia, do medo. Que ainda hoje me percorre as veias sempre que te olho e penso que o meu pequeno está a crescer, a ser autónomo, feliz, coerente, sincero, honesto e que, com o seu esforço e perseverança, está a conquistar o seu lugar.
Nunca poderás tu sentir um milésimo do orgulho que te tenho, da vontade que te conheço, da compreensão que te ganho e do horrível medo de sem ti ficar.
Esta aqui, que se assina, é somente aquela que derrama lágrimas escondidas de cada vez que dizes julgar ser loucura e ousadia as vezes em que te pedi que cantasses com tudo de ti. Como só tu sabes. Como só tu me chegas lá ao teu cantinho, no coração.
Parabéns, meu pequeno.