sábado, 6 de dezembro de 2008

Eu, a boneca.

Desde que me lembro que assim é. Já tive períodos da minha existência demasiados felizes, outro demasiados tristes, mas agora estou apenas na dualidade entre uns e outros... Sabem que mais? Cansei-me.
Aqui sentada na minha prateleira, vejo o mundo à minha volta. De vez em quando vem alguém que me leva, que me abraça ou simplesmente me dá uma festinha na cabeça. Na maior parte das vezes, fico somente aqui, sujeita a todo um acumular de pó. Pelos meus olhos de botões vejo tudo. Pelas minhas orelhas ocultas num cabelo de lã roxa, oiço tudo. Afinal, eu sei o mundo.
Nada interessa, nada, "para quê o cuidar de uma boneca de trapos se ali está tão bem pousada?" Ás vezes deparo-me com um alguém à minha frente, quieto, de pé, a olhar para mim. Tenho esperança, sempre, que me agarrem e levem a brincar, me deixem de novo ver o mar, mas isso nunca acontece.
Uma vez por outra, alguém me puxa por uma mão. Olha para mim, traz-me a felicidade durante um bocado, mas logo me deixa um rasgão: estou velha de sentir e o meu trapo já não é o que era. Depois, quem quererá uma boneca assim, quase perdida? Ninguém. Um dia lá chega junto a mim uma alma que me remenda. Cose o buraquinho que foi feito, mas volta a colocar-me aqui, onde me sento, como se nada fosse nem nada tivesse sido. Quem quererá uma boneca assim, sempre remendada?
E é sempre assim, dia após dia, que vivo somente Eu, a boneca. O que ninguém entende é que mesmo sendo de um trapo já fraco e gasto, ainda sei sentir. Mesmo dentro destas roupas onde todos apenas vêm "A boneca", há algo mais... Aliás, se nunca tivesse sentido, não seria antes uma Barbie dentro de uma caixa vistosa?

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