domingo, 14 de junho de 2009

II

Acordei doente, ajudada por uma moleza incrível. Agarrei num livro e pûs-me a ler...

"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido, a cada momento
Para a nova eternidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar..."

Alberto Caeiro, in Poemas
Há quem o ache maluco, existem até imensos jovens espalhados por esse Portugal fora que neste momento o odeiam e o temem. Eu sempre admirei a forma de, ao não dizer nada, conseguir dizer sempre tudo. Realmente, Fernando Pessoa tinha um dom inato de dizer as coisas como elas são verdadeiramente. Li estes versos ao acaso e, quando os li, facilmente os reconheci em mim. Não seria mais fácil se todos saíssemos lá para fora e olhássemos as coisas como elas são? As expressões das pessoas, a disposição dos edifícios, as ervas daninhas que crescem algures, os carros a passar, o mundo... Mais fácil não sei se seria, mas certamente que era mais puro. Andar somente pela rua e sentir as coisas como elas são e se apresentam a todos, seria pedir demais. Alias, é pedir de mais.
Pessoa acreditava fazê-lo, não tinha dúvidas. Eu já não tenho tanta certeza, certeza nenhuma até. Hoje em dia o pensamento do que se vê está presente em tudo, até quando é o coração que quer gritar mais alto. Não deveriamos apenas vaguear por aí em vez de racionalizar tudo aquilo em que tropeçamos?
Enfim, deve ser da doença...

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