sábado, 23 de janeiro de 2010

estátua de sal

Margarida Rebelo Pinto escreveu:
"Pega no telefone e liga-lhe, não tens nada a perder. Diz-lhe que tens saudades dele, que ninguém te faz tão feliz, que os teus dias são secos, frios e áridos, como um deserto imenso, sem oásis nem miragens, sempre que não estão juntos. Pega no telefone e liga-lhe. Se ele não atender, deixa-lhe uma mensagem. Ou então escreve-lhe um sms a dizer que queres estar com ele. Não te alongues nem elabores, os homens nunca percebem o que queres deixar cair nas entrelinhas. Tens de ser clara, directa, incisiva. E não podes ter medo, porque o medo é o maior inimigo do amor. Cada vez que deixares o medo entrar-te nas tuas veias, ele vai gelar-te o sangue e paralisar-te os nervos, ficas transformada numa estátua de sal e morres por dentro."
Já peguei no telefone, mesmo tendo tudo a perder. Não tenho medo, porque não há nada pior que me faça ter medo. Fui clara, directa e incisiva, sim. Já não uso entrelinhas porque elas não me ajudariam a caminhar melhor sobre esta areia grossa. Os meus dias são secos, frios e áridos, como no deserto, mas tenho oásis, tenho miragens. Não é o medo que me corre nas veias, são essas miragens. São essas miragens que me fazem ser a estátua de sal que se desfaz através dos olhos. São as miragens que um dia poderiam ser verdadeiras mas que, agora, não o são. São os oásis que parecem estar perto, mas que estão tão longe que me fazem ter a certeza de que sim, de que tenho tudo a perder. Tenho tudo a perder, mas não tenho medo. É impossível ter mais medo do que ter tudo a perder. Aliás, já perdi. Já perdi a luta que um dia tentei travar. É por isso que agora não consigo raciocinar mais, não consigo encontrar outra forma de chegar à meta... Mas não era uma meta. Era o pleno, era a capacidade de ter medo por não ter tudo a perder. Não consegui. Que me desculpe a Margarida Rebelo Pinto, mas pareço ter sido fraca de mais. Sim, fui fraca de mais. Resumo-me, portanto, à estátua de sal. Sou uma, que se desfaz lentamente, porque guarda dentro de si muito do que a fez crescer. É, sou uma estátua de sal. Desfaço-me um pouco agora, um pouco mais tarde, um dia por inteiro, algumas horas durante a noite... é, vou-me desfazendo. Sou uma estátua de sal, mas ainda assim continuo a ter coragem de fazer o teu telefone tocar. Mais uma vez.

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