sábado, 23 de outubro de 2010

espelhos

"Espelho: superfície altamente polida para produzir reflexão regular dos raios luminosos e das imagens dos objectos; lâmina de vidro ou cristal, geralmente prateada na parte posterior, utilizada como reflector da luz ou para observação de imagens".

Segundo o que me diz o dicionário, todas estas palavrinhas, aqui inscritas entre aspas, juntas, são a definição do que é um espelho. 'Talvez', respondo-me eu. Um espelho não me parece ser um mero objecto em que vejo o reflexo daquilo para o qual o aponto. Não apenas uma coisa de vidro, em que pego, que me permite ver a minha cara de desilusão neste momento. 'Para mim, um espelho, é tudo aquilo em que recordo o que já experimentei, vendo-o representado das mais diversas maneiras, sentindo-o de uma forma tão diferente que me sabe a igual', afirmo-me.

Lembro-me de andar apaixonada pelo Miguel anos a fio, na escola primária. Viesse quem viesse, era o Miguel quem eu queria. Ele passava-me a bola nos jogos do recreio, sentava-se ao meu lado nas aulas e até chorava quando chegava a hora do toque e a mãe não estava lá fora para o ir buscar. Toda a gente gozava com ele por causa disso, se calhar até eu gozei, na minha parvoíce de miúda, mas eu gostava mesmo daquele rapaz. Ele nunca queria namorar comigo, nunca, mas eu continuava a endereçar-lhe todos os postais que escrevíamos no dia dos namorados. Até que houve uma vez, não sei porquê, em que ele decidiu que ia namorar comigo, já na quarta classe. Eu fiquei felicíssima: era a namorada do Miguel. Passado um tempo, há uma outra rapariga que começa a dar nas vistas junto do Miguel e ele decide deixar de namorar comigo, para namorar com ela. Céus, como fiquei devastada. O Miguel tinha-me trocado por outra miúda que nem sequer sabia jogar à bola.

Lembro-me de me apaixonar, há uns poucos anos. De acreditar que o mundo parava quando o via, de achar que ia parar de respirar na primeira vez em que o abracei. Ainda consigo vislumbrar aquele sorriso catita que me deixava sem jeito, fosse por que motivo fosse. Fomos passear e decidimos ficar juntos. Eu fiquei felicíssima, era a namorada dele. Passado um tempo, há uma outra rapariga que começa a dar nas vistas junto dele e sou eu quem decide deixar de namorar com ele. Céus, como fiquei devastada. Ele tinha-me trocado por outra miúda que nem sequer sentia o mundo parar perto dele.

Para mim, isto é um espelho. São duas histórias diferentes, mas com a mesma base dentro de si. Um espelho que se completa, que reage e cresce de acordo com as mudanças que a vida nos proporciona. Na primeira vez, deixei que fosse o Miguel a não querer namorar mais comigo, por muito que soubesse que a outra menina o tinha enfeitiçado. Da segunda vez, fui eu a não querer namorar mais com ele, por que me achei com muito mais valor do que o que a outra rapariga poderia vir a ter.

Para mim, isto é um espelho. São duas histórias diferentes, mas com a mesma base dentro de si. O que nelas se diferencia é apenas a minha imagem. Na primeira, uma menina pequenina, sem alguns dentes, desejosa de dar uns pontapés na bola ao recreio. Na segunda, uma jovem decidida a marcar um golo, por muito complicado que fosse ultrapassar o adversário.

Para mim, isto é um espelho. Não ter medo de reconhecer os momentos maus que se afiguram à nossa volta, quer estejam eles antes ou depois da decisão que temos de tomar. Respeitar-nos acima de qualquer coisa, fazendo prevalecer aquilo em que acreditamos que somos e que construímos dentro do nosso ser.

Para mim, isto é um espelho. Crescer e dessa forma ver as coisas diferentes, tomar decisões conscientes, que não estejam somente ligadas ao comodismo de não querer enfrentar batalhas. É preciso travar lutas, porque só no fim delas vai estar a nossa vitória plena.

Para mim, isto é um espelho. Acabar devastadíssima com o Miguel ou com ele, mas saber que, de uma situação para a outra, tornei-me alguém com personalidade própria e vontade de enfrentar a vida, mesmo que ela me deixe triste de vez em quando.

Percebes tu o que é um espelho? Ou será que para ti continua a ser apenas um mero objecto, em que pegas e metes à frente da tua cara, vendo apenas o teu reflexo de medo e cobardia? Se assim é, o nosso espelho é diferente. Eu gostava que percebesses o que é um espelho para mim, que tomasses esse conceito como teu e o sentisses da mesma forma. Afinal de contas, gosto de ti e quero que estejas bem. Não quero ver no teu espelho a minha sensação de 'devastadíssima'. O que quero ver no teu espelho é que travaste uma luta, sem medos. Quero ver que aceitaste o seu resultado, que olhaste em frente e disseste que, para ti, um espelho é 'tudo aquilo em que recordo o que já experimentei, vendo-o representado das mais diversas maneiras, sentindo-o de uma forma tão diferente que me sabe a igual'.

Olha bem para o teu reflexo. Não vejas mais essa cara cobarde. Vê apenas a tua expressão de luta, de vitória e de crescimento. É apenas o que preciso para olhar para o meu e não ver mais a minha faceta de desilusão. Vive, espelha-te, para que eu me espelhe contigo e em ti, novamente.

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